“Escolha construir pontes ao invés de muros.”
(Chef Di Manno)
Muito foi dito sobre Jair Bolsonaro sustentar uma suposta aversão pelo nordestino do Brasil. Teria ele dito não querer o voto do habitante da região e, a exemplo de Donald Trump e sua determinação de murar os 3 mil metros de fronteira dos Estados Unidos com o México por causa da imigração ilegal que estaria abalando a economia de seu país, intencionaria murar os limites do Nordeste com as regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste, isolando os nordestinos com base em suposta xenofobia por motivos culturais e étnicos. Mais implacável ainda seria seu também suposto desejo de separar do mapa do Brasil a região e torná-la independente da federação.
O português garantindo não afirmar qualquer coisa se deve por não ter sido encontrado material de fonte fidedigna que torne autêntico o que se falou envolvendo Bolsonaro nesta questão. O que se pode extrair de vídeos do político são descrições pejorativas dadas por ele, como “ter o cearense cabeça grande e o estômago maior do que a cabeça, por isso se pode imaginar que ele coma muito”; críticas ao Bolsa Família apontando o nordestino como a ser o grande beneficiário do programa e por essa razão não se conseguir trazer da região para o Sudeste quem preste o trabalho de empregado doméstico; e ainda com relação ao Bolsa Família a alegação de que mulheres nordestinas forçariam gravidez para garantir os móveis e eletrodomésticos da casa. A mais contundente demonstração dessa aversão ao Nordeste registrada é a explanação de Jair Bolsonaro quanto ao que é para ele a única coisa boa do Maranhão: o presídio de Pedrinhas. Mas, ele pretenderia entregar para seus patrões yankees a Base de Alcântara.
IMAGEM: “Os retirantes“. Quadro de Cândido Portinari.
O que se sabe ou se pode deduzir é que Jair Bolsonaro tem um grande apreço – e provavelmente tratados – com os Estados Unidos. E muito se sabe sobre o interesse deste país na região nordestina do Brasil. Além do norte desta região ser do Atlântico Sul o ponto mais aproximado da Europa e da África setentrional, característica que durante a Segunda Guerra foi aproveitada pelos norte-americanos para construção de base naval e aérea para alojamento de combustíveis para embarcações e aeronaves e munições, partidas de bombardeiros e decolagem de vôos e até lançamento de mísseis, o Tio Sam também gosta do potencial turístico, bom de ser explorado, existente em toda a região.
Logo, o que é mais possível de se entender com essa suposta perseguição ao nordestino, tanto devido a essa devoção de Jair Bolsonaro aos Estados Unidos quanto à natureza de político entreguista que ficou claro devido a alguns de seus depoimentos registrados em vídeo e que foram propagados pelas mídias sociais durante sua campanha eleitoral, é a intenção de provocar o êxodo do habitante da região. A migração possível de se imaginar seria para a região amazônica, que Bolsonaro talvez queira transformar em uma grande fazenda e precisará de trabalhadores braçais para tocar o negócio que visaria a exportação agrícola-pecuária, também para o Tio Sam.
Outra especulação seria o viés ideológico de Jair Bolsonaro. O Nordeste é onde no Brasil a aceitação pela política neoliberal que ele professa enfrentará mais resistência. O nordestino não elegeu Bolsonaro em nenhum dos turnos da eleição presidencial de 2018. E para complicar, elegeu políticos e partidos progressistas em todos os estados. O diálogo para a implantação dessa política será bastante dependente de cessões, que por ter demonstrado nas urnas não estarem dispostos a sucumbir a elas a população dos estados do Nordeste não será fácil de ser convencida. Vai ser muito mais fácil Jair Bolsonaro recorrer à separação da região, que ventilaram ser seu interesse.
Por motivos demográficos, culturais e econômicos já tivemos no Brasil várias partições ou desejo de partição de estados. Em 1977, os militares separaram o Mato Grosso e criaram o Mato Grosso do Sul. Em 1988, já regime civil, a região chamada hoje de estado do Tocantins foi separada de Goiás. Em Minas Gerais há um movimento que visa separar o Triângulo Mineiro do resto do estado, região que outrora pertenceu ao estado de Goiás e foi anexada à Minas e possui um vasto pólo industrial. E recentemente, em 2011, o povo paraense decidiu em um plebiscito pela manutenção da união e os estados idealizados, Tapajós e Carajás, não foram criados.
No entanto, estamos falando desta vez em separação nacional. Tirar uma região brasileira do mapa. Como o que aconteceu na Alemanha e na Coréia após a Segunda Guerra Mundial e com o Vietnã após a Primeira Guerra da Indochina.
O pleito é antigo. Se fala que a Conjuração Mineira teria sido um movimento separatista. A bandeira de Minas Gerais tal qual conhecemos seria a bandeira da República do Ouro. Porém, naquele momento o Brasil não tinha autonomia política, coisa que só aconteceu a partir de 1822, então, essa definição dada ao fato histórico brasileiro que contribuiu para a libertação do Brasil do domínio português não pode ser dessa forma interpretada.
A Revolução dos Padres, ou Revolução Pernambucana, de 1817, que assim como os inconfidentes de Minas Gerais os membros se influenciaram por ideias iluministas e maçônicas, foi outro movimento organizado separatista que objetivava a criação de uma nação independente. A História coloca Pernambuco, terra de Luís Inácio da Silva e de Virgulino Ferreira, o Lampião, no primeiro lugar do ranking de reivindicações provincianas de separatismo.
Sendo assim, exatamente no Nordeste – irritado com descaso e preconceito contra a população local oriundo do resto do país – ocorreu em 1824 incursões em pró de alavancar a Confederação do Equador, formada por Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.
Outros registraram que a Revolta da Cabanagem, 1835 a 1840, se deu por intencionarem os estados do Amazonas, Pará, Roraima e Rondônia a criar a República do Grão-Pará. Destacam-se também as rebeliões separatistas ocorridas na Bahia, no Rio de Janeiro, no Ceará e no Rio Grande do Sul dentro desse período histórico.
Voltando o foco para a contemporaneidade, alguns historiadores alegam que a Revolução Constitucionalista de 1932 visava tornar São Paulo uma nação. Porém, outros desconversam e explicam que se tratava de uma pressão de políticos paulistanos sobre as demais unidades federativas do país em pró de ser repensada a carga que recaía sobre São Paulo a condição de ser a única unidade provinciana a receber desenvolvimento. Curiosamente, até então o Brasil não era um país industrializado e a industrialização só se consagrou a partir do Estado Novo de Getúlio Vargas, indo parar no Rio de Janeiro a primeira grande indústria nacional.
Mas, o mais intimidador movimento separatista da atualidade é o pretendido pelos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, cuja meta é formar a República do Pampa. Projeto que existe de maneira organizada desde 1990. Entre os motivos que levam gaúchos, paranaenses e catarinenses a buscarem a partição está até o excesso de crenças religiosas que tomam os povos das demais unidades federativas brasileiras.
A separação da União é proibida pela Constituição Nacional do Brasil. Um governo autorizado pelo eleitor a por em prática qualquer interesse lhe conveniente, ainda que fira os estatutos da Constituição Nacional, pode viabilizar todas essas reivindicações só por serem elas, a maioria, idealizadas pela elite de cada local. Pode até ser que o interesse dos estados do Sul em eleger Bolsonaro tivesse a ver com a expectativa visionária de ter seu pleito separatista com grande possibilidade de ser viabilizado. Lembrando que o grande parceiro de Bolsonaro em campanha, Luciano Hang, dono da Havan, é catarinense.
As justificativas que variam entre questões sócio-econômica-sociais, desprezo pela liberdade religiosa e práticas culturais do outro, concentração de progresso do país, atributos do nazismo e inspiração dada pela Catalúnia, que atualmente deseja se separar da Espanha, se alinham perfeitamente com tudo que Bolsonaro vem pregando desde que apareceu para a mídia por volta de 2012.
Somado ao rumo que toma o presidente eleito na sua formação de ministério, que sugere focar seu governo no desenvolvimento da região amazônica como área produtiva, contando com o capital fornecido por ruralistas concentrados mais contundentemente no Centro-Oeste do Brasil, cujos produtos produzidos seriam levados para o Sudeste para abastecimento da região e transporte para o exterior, tudo leva a crer que não é só o Nordeste que deve ser banido da federação. Corre-se o risco de atenderem às reivindicações dos separatistas tão somente por representar esse grito um alívio imediato para as aspirações bolsonarianas.
No Brasil há espaço para todos. Desde que não haja esse imenso vazio consciencial pregado por Bolsonaro, que como o caco de um espelho quebrado parte corações. Se os brasileiros já enfrentam dificuldades de comunicação devido às diferenças que refletem até no idioma falado internamente, um muro entre elas só dificultaria ainda mais os diálogos.
Somos um povo disperso pelo país à fora. Cada um para o seu lado, limitado em sua região, corre-se o risco de se perder contato com parentes importantes que partiram em busca de um lugar ao Sol. Revê-los poderia esbarrar em burocracias invencíveis. Tal qual aconteceu na Alemanha pós-nazismo.
No cotidiano de cada um de nós, durante os períodos matutinos e vespertinos seria suportável a opressão que esse distanciamento gera. Mas, ao cair da noite, o silêncio da saudade se ecloderia em gritos de desespero. E aí voltaremos a pensar em união nacional. Resta saber se haverá o que fazer para nos reunificarmos.
Há um muro de concreto entre nossos lábios.
Há um muro de Berlim dentro de mim.
Tudo se divide, todos se separam.
Duas Alemanhas, duas Coréias.
Tudo se divide, todos se separam.
(Trecho da canção “Alívio imediato”. Engenheiros do Hawai.)