Este texto fala sobre censura. E como gente tal qual Gal e Caetano podem fazer muita falta para aqueles que nos dias de hoje os repugnam.

Você precisa saber da piscina, da Margarina, da Carolina, da Gasolina e de mim.
Nos anos 1960, da voz da Gal Costa saía aos ouvidos da juventude – o contingente social que em qualquer época é capaz de provocar mudanças na sociedade – versos escritos por Caetano Veloso. A dificuldade de entendê-los fazia tanto sentido quanto fazia sentido buscar entendê-los.
Os generais militares estavam no poder e era preciso desviar da atenção deles as mensagens passadas para o público no meio público. Para evitar que inocentes absorvessem essas mensagens e compactuassem com o que o Controle chamava de subversão, o rádio, a TV, os jornais impressos eram censurados. No caso dos veículos da mídia corporativa, a censura era só fachada para não excitar a audiência a buscar o material que os fora desta mídia eram impedidos de publicar.
Quanto mais embalado fosse aquilo que se queria dizer, maior a chance de se chegar ao êxito de informar. Para isso foi preciso desenvolver uma cultura jovem. Suportado o desenvolvimento dela pelos próprios conservadores da sociedade. Foi preciso enganar pai e mãe, padres, educadores, fazendo-os pensar que andava por linhas certas quem estivesse dentro do padrão de comportamento definido pela cultura.
Esta cultura jovem tinha que ter aspecto de direita, de conservadora. Com cara de não ameaçar o sistema e de não fazer mal a alguém. Ir à uma sorveteria ou a uma lanchonete podia ser um programa de jovem. Ouvir as ingênuas canções do Roberto Carlos e da turma da Jovem Guarda idem. Também era preservado o espaço religioso.
Como era o Tio Sam quem estava por trás da capa, aprender inglês era coisa fundamental. Mais de direita impossível. Super aceito. Em Minas Gerais, o MAI – Modern American Institute, por exemplo, se dava o luxo de ter propaganda na televisão.
Então, era hora de usar as armas do inimigo. E “Baby” convidava as pessoas para irem tomar um sorvete na lanchonete para… “andar com a gente”, “me ver de perto”. E aí se quebrava as pernas dos ditadores. Mensagens sendo passadas em locais permitidos e fora de suspeita, da maneira mais eficaz do mundo: de bocas diretamente para ouvidos, não podiam ser contidas com vociferações autoritárias ou armas de fogo descarregando munições.
Quando “Baby” instruía que as pessoas deviam aprender inglês, os marechais, coronéis, generais imaginavam que a garotada estava sob controle. Ela própria estaria a fazer nela mesma os trabalhos de manipulação psicossocial que eram da obrigação dos militares.
Os cursinhos de inglês faziam a festa. Ao mesmo tempo que contribuíam com a sustentação do regime implantado em solo brasileiro pelos que na América herdaram o idioma que lecionavam, condicionavam os alvos da contra-conspiração a interpretar as mensagens de seus pretensos representantes.
Sem hesitar, Marighella escreveu seu “Mini-manual do Guerrilheiro Urbano” em inglês. Foi sarcástico ao chacotar com sua obra os generais que nas mesas de discussão dentro das lojas maçônicas, virados para os pilares Jaquim e Boaz regozijavam com o material midiático que os irmãos de fraternidade que atuavam na indústria cultural e de entretenimento espeliam em seus veículos. Distrair era a melhor forma de governar.
Só que não! Não contavam com a astúcia dos tropicalistas. Esses orientavam as pessoas a aprenderem inglês para enfim lerem palavras de ordem estampadas em camisetas. Andar na moda, curtindo a distração permitida, era a melhor maneira de se subverter.
A velha e boa T-Shirt já era famosa por carregar a foto de grandes ícones do meio subversivo; ficou também famosa por transportar estampado no peito da juventude lemas que alertavam sobre os mais diversos assuntos.
Convocando com frases como “Você precisa saber o que sei”, o modo alternativo de comunicação derrubava a poderosa indústria gráfica e audiovideográfica em termos de comunicação útil à sociedade. A louvada comunicação subversiva.
A “gasolina” nos versos colocava pulga atrás das orelhas para elas se antenarem quanto ao mundo do petróleo. O Pré-Sal, por exemplo, foi descoberto naqueles idos de 1968. Com “Margarina” poderiam já naquela época estar denunciando a contribuição que a indústria alimentícia dava à médico-farmacèutica produzindo doentes para ela. Do pão com margarina que cai no chão fogem até as formigas.
E hoje?
É grande a presença militar no Governo Bolsonaro. Disseram que a responsabilidade está pesando para a classe. Mas, é fala demagoga. Eles estão adorando estar nos pontos de poder, podendo cercear as liberdades individuais sem mesmo ter que ferir a Constituição Federal. Vai me dizer que a democracia acabou? Acabou não. Continua de pé. Mas, está todo mundo censurado.
Hoje, os generais não precisam calar ninguém à força. O Google, o Twitter, o Instagram, o Facebook e a desinformação faz isso por eles. O Ustra no túmulo deve estar bastante decepcionado com essa ditadura banho-maria instaurada. O próprio presidente da república é um blogueiro e faz seus pronunciamentos de um perfil de rede social na internet.
Acharam de fazer o jovem pensar que ser dessa faixa etária é curtir afazeres ditados, por exemplo, pela escolinha medíocre da telenovela Malhação na TV Globo. Hipnotizaram a massa e a obrigaram a se submeter à verdade imposta que diz que ‘nesta terra de gigantes a juventude é uma banda numa propaganda de refrigerante‘.
A imprensa maldita dá ao público a historinha do espírita acusado de estuprar clientes. E porque esta só colheu questionamentos de gente comum, alegando se tratar o assunto de bode-expiatório para apagar o Caso Queiroz ou a pedido da Bancada Evangélica jogar entes de bem da sociedade contra o espiritismo, doutrina cristã muito mais coerente, verdadeira e puritana e em crescimento no Brasil, arrumaram um pastor evangélico para elevar a ele a mesma acusação. E assim esperam garantir a inocência dos governistas evangélicos nas acusações que eles sofrem quanto ao furo de reportagem “João de Deus”.
Tá certo que também parece ser o golpe a Globo pondo pilha pra fazer rodar o robozinho que faz os zumbis que ela forma se jogarem contra a comunidade evangélica e fazer, com isso, esta comunidade perder força no Congresso com a acusação de moral duvidosa dada por um membro do grupo, ainda que anônimo. A moral rígida e rústica que esse movimento com poder no Congresso quer fazer voltar mata muitos dos meios de enriquecimento da organização dos Marinho. Aliás, a sociedade se dignar a novos hábitos, muitos deles libidinosos, foi crucial para a contenção da crise econômica vivida nos anos 1970 e para a volta da democracia no Brasil. Erguimento dos grupos sociais marginalizados pela moçada evangélica idem.
Na minha opinião, não é preciso mais do que noticiar o dia a dia mercenário desses politicistas para se suspeitar da moral deles. A tal Escola sem partido não é mais do que um meio de minar a capacidade intelectual das crianças e botarem elas para todo o sempre dentro de currais eleitorais do PSL. Quer escravizar alguém? Evangelize-o. Tudo começou assim no Brasil. Depois é que veio: “Ô Clide, fala pra mãe: que tudo que a antena capta meu coração captura“.
Alguém posta a ofensa que for ao sistema e fica satisfeito da vida por fazê-lo sem perder a sensação de que é seguro dizer o que se quer sobre qualquer um que se queira atingir. Mal sabem que dentro do grupo conspirador se sabe tudo sobre quem o ofende. Os dedos-duros são, entre os clássicos de todos os tempos, as grandes redes sociais, que coletam tudo que os membros fazem em seus celulares ou microcomputadores. Incluem-se, até, mecanismos de comunicação residentes na deep web. Só mesmo rejeitando a tecnologia é que se está seguro no meio onde ela impera.
A conspiração age de um jeito que faz parecer que tanto Julian Assange quanto Edward Snowden são funcionários dos inimigos da liberdade individual e de imprensa. Teriam feito revelações bombásticas em seus dispositivos de comunicação patrocinadas pela CIA entre outras organizações obscuras. Os mesmos vigilantes por trás da criação do Google, do Yahoo! e do Facebook, por exemplo. Propagar que cumprem exílio por terem traído suas pátrias seria peça de um jogo de moldagem da opinião pública.
A outra sensação ingênua pertinente do mundo nerd das mídias sociais: “meu post alcança um monte de gente”. Alcança nada! Ninguém que não pode saber o que você sabe recebe o que você revela. As redes de relacionamentos, na internet, não deixam que as publicações que trafegam nelas sejam vistas sem o controle da rede. Só obtemos sucesso com aqueles que já estão acostumados com o que revelamos. Estes já sabem o que sabemos. Se derem corda ao que postamos, só vão ser catalogados por causa da reação dada. Nada mais!
O comportamento da sociedade na internet sofre total monitoramento do Sistema. Poucos têm ciência ou admitem isso. Menos gente ainda suspeita disso. Se com a informação obtida saírem da linha, só assim os carrascos entram em ação para impedirem profusões de ideias ou maiores estragos. Pouquíssimos casos o governo ditador verá necessidade de holofotar os autores e marginalizá-los.
A censura atual é feita, normalmente, sem apontar armas, sem derramar sangue e sem torturar os censurados. Só produzindo desinformação para alastrar pelas mesmas redes sociais e ainda pela televisão, rádio, jornais, sites e blogs, escolas, igrejas e a mídia. Ninguém perde o direito de ir e vir sem ser molestado, mas, ninguém fica livre de ser monitorado. Um monitoramento consentido, pois, usa a internet quem quer, usa celular quem quer e rejeita os livros para se informar sobre como se proteger de invasões de privacidade quem quer.
O resultado do grass marketing executado pelo novo governo militar deixa sem credibilidade qualquer aspirante à militante subversivo influente. E sem visibilidade seu material de contestação. Isso o torna incapaz de movimentar um levante. Nem é preciso criminalizar manifestações para aquietar as massas. Basta usar a internet desse jeito fascista eficiente quem tem meios de fazer a sua mensagem chegar a todos.
No anonimato, deprimido, pretenso ao suicídio patrocinado pela opressão que se sofre com a falta de expressão massiva e pela alimentação da impressão de que há liberdade e instrumentos para se expor para um grande público, e até ganhar dinheiro com isso, simplesmente parar de tentar fazer chegar informações e pontos de vista ao mundo é lucro. Pois, em se insistindo em nadar contra a correnteza, nesta guerra contra a psique humana, se alguém der um tiro, esse tiro quem dá é o próprio oprimido. Em si próprio.
Para não ter que ser tão rude consigo mesmo, bancar a antena pára-raio ou o papagaio de pirata fazendo análise própria de notícias ouvidas aleatoriamente ou lidas em manchetes alarmantes é uma forma de amenizar esta sofrida realidade de quem até tem o que dizer mas não tem quem o escuta ou o lê.
E ficar a ver navios, esperando que alguém se interesse em aportar no porto onde se encontra sua análise é uma espécie de sonho de consumo. Pode ser que um dia se realize. Se, com toda certeza será com a condescendência da ditadura, autorizando seus instrumentos de contenção popular a afrouxar o policiamento e permitir a passagem.
É a neocensura, a neotortura. Repressão sem ditadura. Garantida pelo voto democrático. E aqui termina o post e começa minha estadia na praia a ver navios.
Lá fora faz um tempo confortável
A vigilância cuida do normal
Os automóveis ouvem a notícia
Os nerds a publicam na rede social.
(Adaptação de versos da canção “Admirável mundo novo”, Zé Ramalho)