“O futebol é a coisa mais importante das coisas menos importantes”
(Arrigo Sacchi)
Para a maioria dos torcedores, começa-se a se prender ao futebol já na infância. Fruto de influência do pai e ou dos tios é o mais frequente. Uma vez escolhido o time a torcer por ele, é difícil largar o mesmo, bem como o interesse pelo futebol. É como uma lavagem cerebral: com falas como “não vá desapontar seu pai ou passar o vexame de ser um vira-folha”, os influenciadores ganham o apoio do restante das torcidas e dos agentes provocadores que assessoram a instituição Futebol para garantir a manutenção do gosto pelo esporte e pelo clube para o qual torcem.
Se este for portador de muitas conquistas, expressas em títulos de campeonatos, isto é lembrado constantemente às torcidas e favorece o cativo da consciência do indivíduo preso no cativeiro do futebol.
Ao torcedor é ensinado a soberba e a ostentação. O mesmo é conduzido à ira e ao ódio. União e abnegação são condutas que só se aplicam aos correligionários.
O torcedor nunca reconhece que perde muito tempo e dinheiro com seu culto. Não vê que seu bolso ou sua barriga não enchem com a prática a que se entrega boa parte do dia, sete dias por semana.
Sua cultura é limitada, exclusiva melhor dizendo. No lar, as horas são passadas a acompanhar programas de rádio e TV que tratam de futebol, quando a mesma motivação não é satisfeita ao celular. Em trânsito, se em conversa, o tema é o mesmo. Não se consegue falar de outra coisa. A cabeça é mantida em permanente preocupação com as tabelas dos certames ou com os bastidores envolvendo o time do coração ou, pior, os seus rivais. Quando se dão por si, já é fim de ano e o que se fez de proveitoso, de engrandecimento pessoal?
Não raro, o analfabetismo ou a baixa instrução imperam no círculo de torcedores. Evasão de escola ou boicote de presença em eventos que implantam comportamentos diversificados – como ida ao teatro, museus, galerias de arte – são acontecimentos corriqueiros.
Pra não ter que se sentir menosprezado por ser escravo do futebol e por ser essa a razão de não marcar participação em escolas ou em outros segmentos culturais e para enfrentar os que irão lhe tachar pelo culto de alegria-boba, improdutiva, emburrecedora, limitadora de atitudes, ocasionadora de cabresto e empobrecedora, o torcedor proclama – atendendo mais a si próprio ou enganando a si mesmo – que ir ao teatro ou à galeria de arte, por exemplos, são coisas de maricas ou de almofadinha, de burguês ou de quem quer ser o que não é. E que esses cultos não possuem qualquer graça.
Os filmes de cinema ou os programas de TV que lhe interessam têm como padrão a propagação de violência e futilidade. Idem as músicas que tolera ouvir e cantar. Os hinos cantados nas arquibancadas, dotadas de profusão de ódio, apologias perigosas e banalidades suas letras, as expressam. E há quem justifica dizendo que a arquibancada é o lugar de quem tem vida sofrida extravasar.
E o sujeito recebe inconscientemente essas instruções de comportamento. Quem dita para ele as regras é a indústria do futebol, que possui várias outras indústrias em seu staff. Através dos mesmos que abrem clientelas – criam torcedores e torcidas – para as instituições que compõem essa indústria, o trabalho de cooptação é feito.
Todos nós, seres humanos, viemos ao mundo para gozarmos a existência material, plena de felicidade. E o envolvimento clássico com o futebol – da forma que a Indústria deseja que se envolva e conduz à própria – não permite que esse objetivo seja atingido. Em algum momento de qualquer partida ou durante o curso de um campeonato, fracassos do time para o qual se torce é experimentado. E vida plena de felicidade incide não se experimentar um segundo sequer de qualquer sensação adversa à de bem-estar ou à de alegria.
Essas sensações adversas são as que surgem quando uma torcida é em vão (que é o que acontece em partidas cadenciadas), quando um tropeço de time acontece, ou um jogador erra um passe, um zagueiro falha, um gol contra ocorre, um gol pró é perdido, um atleta é expulso ou amarelado, um gol é anulado, um pênalti não é convertido em gol, um árbitro erra na arbitragem, um comentário destrutivo da imprensa é ouvido. Tudo isso contra o time que se torce pra ele.
O contrário, quando tudo isso é destinado ao adversário, traz fragmentos de alegria. Porém, uma alegria carregada de energia maléfica por ser sarcástica, gozada em detrimento de outro. Desejo de tristeza do outro e sentimento de vingança estão inclusos nessa alegria. Logo, não é alegria. É, sim, alimentação de soberba e mutilação de caráter.
Partidas cadenciadas são aquelas manobradas para atenderem a um script. As manobras visam dar uma plástica aos confrontos, que os tornam interessantes de serem vistos, tanto por quem está presente no estádio, quanto quem está de frente para a TV ou com o ouvido atento ao rádio. São mexidas no que deveria se dar naturalmente, que forjam a percepção de ser válido o tempo e o dinheiro gasto com o culto ao futebol.
Configura ser ou beira ser estelionato ou falsidade ideológica o que fazem. Mas, atende até mesmo gente do judiciário essa gestão, logo, só se lamenta não ser possível atender ao mesmo tempo todos os lados, todos os interesses. E principalmente: todos os torcedores. Tem que haver perdedores para haver ganhadores.
As manobras também possibilitam que o movimento nos sites de apostas aconteça da maneira esperada, com grande volume de lances e fechamento dos ensejos de modo a legar bastante dinheiro para as instituições que lucram com a modalidade de entretenimento adicional ao esporte predileto e opção de renda para o torcedor.
Essas entidades seriam basicamente as casas de apostas, os clubes em confronto e o arrecadador de impostos, geralmente os governos. Paralelamente ganhariam os fornecedores das casas – um deles seria a imprensa, que incentiva durante as transmissões dos jogos e todo o pré-jogo as pessoas a apostarem – e as corporações que decidem colocar num site de apostas sua publicidade, não se importando com que tipo de avaliação estará sendo feita a associação que faz de sua marca à modalidade de entretenimento e renda.
Partidas escritas por gestores de comportamento humano – o humano no caso é o torcedor – teriam os scripts executados pelas entes da imprensa, principalmente os narradores e locutores das rádios e televisões, que ditam a leitura a ser feita de um lance ou de uma atitude de jogador; pelos técnicos – que muitas vezes dão rumos às partidas com suas mexidas equivocadas ou instruções duvidosas, as quais o profissionalismo obriga os jogadores a segui-las tal qual é ensinado nos coletivos nos centros de treinamentos; pelos árbitros e seus apitos suspeitos; agora tem o VAR para também possibilitar gerência dos acontecimentos dentro de campo. Y otras cositas más!
O produto dessa gestão muitas vezes – senão sempre – determinaria o fechamento de um item de aposta. Se aposta em resultado de uma partida, quem vai marcar gol, se haverá ou não pênalti na partida, quantos escanteios haverá, se haverá expulsões, se acontecerá gol até certo tempo de jogo. Alguns itens de aposta podem ser apostados até certo tempo no decorrer das partidas.
Se observa facilmente a TV, por exemplo, incentivando telespectadores a correr para apostar. É suspeito de não atender esse apelo os longos minutos de acréscimos que têm sido aplicados com frequência às partidas, que inclusive favorece também à emoção esperada de se sentir nos instantes finais delas.
Tem acontecido muito gol aos finais dos dois tempos, por vezes nos acréscimos; grande número de expulsões – muitas muito estranhas, com jogadores a parecer pedir para serem expulsos – e pênaltis – muitos deles elucidados somente pelo VAR, que convenientemente veria onde ninguém vê, e a parecer ter sido proposital a conduta dos desportistas que os ocasionaram; grande número de pênaltis perdidos; muita entrega de bola para o adversário; muita zebra incompreensível nos placares temporários e finais; muitas decisões de passagem de etapa decididas por meio de cobrança de pênaltis; muita venda vultosa de pernas-de-pau vendidos como estrelas devido à convocações – provavelmente corruptas – para seleções nacionais ou à jabá promocional praticado por agentes da imprensa; muito lobby para atletas estarem em campo mesmo sendo o pior desempenho; muita notícia que diz que determinado atleta não estará em campo devido à contusão em treino; muito cartão que provoca a saída de jogadores na partida em curso ou na seguinte do mesmo campeonato mostrado devido a atos infantis demais para se dizer que o atleta que tomou o cartão é profissional; muito drible ou jogada mirabolante que definem astros em campo a parecer ter tido a condescendência do adversário para serem viabilizados; muito confronto em etapas de copas – principalmente em finais – que parecem terem sido solicitados, talvez por patrocinadores.
Tudo em que se aposta e tudo que facilita viabilização de resultados que sabotam apostas está presente nas partidas de maneira bastante diferente do normal delas nos tempos anteriores à chegada das casas de apostas e da necessidade de tornar emocionantes os confrontos para agradar ao público e alavancar patrocinadores. Na próxima parte será discorrido sobre isso.