O Grande Expurgo de Michel Temer

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Eram meados dos anos 1980. Os tempos finais do Segundo Grau. Escola privada. Supletivo, mas, escola privada. O Zé não concordava muito com escola pública. A universidade federal podia. Ele se preparava para entrar nela. Haveria de ingressar num curso de História ou de Letras. Esses que a ralé da sociedade fazem porque os melhores os granfinos tomam conta.

A birra dele contra o setor público, não só o da Educação, veio quando teve que compreender bem a fio e apresentar com os coleguinhas um trabalho sobre o Grande Expurgo de Stalin na União Soviética. O professor que lhe pediu o trabalho era um engajado político com forte tendência para a esquerda. Coisa que no Brasil na época era de praxe no meio dos que estudavam ou lecionavam ciências sociais, pois, a democracia acabara de ser recuperada e ser de direita era ser antiquado ou mantenedor do recém falido sistema ditador militar.

A arrogância de Joséf Stalin ao defender sua ideologia e garantir sua forma de governar, expurgando militares, capitalistas e intelectuais pelo simples fato de se mostrarem ameaçadores do regime que ele deseja implantar, causando, o ditador, inclusive, grande morticínio, como o Holodomor, deixou o Zé bastante impressionado e indignado. As ideias de economia planificada, nacionalização de empresas e ausência de propriedade privada faziam ele tremer nas bases, já que, aos vinte anos de idade, o garoto se encontrava empregado no escritório central de uma grande rede de supermercados e fazia planos para logo logo ter seu carrinho, sua casinha e casar-se para constituir uma família, como mandava a boa conduta religiosa judaico-cristã com que ele se orientava.

Zé ajudou a eleger Collor de Melo, de tanto ver os jornais, sobre tudo o telejornal Jornal Nacional, favorecer o “caçador de marajás” e rechaçar a imagem de seu oponente, Luís Inácio Lula da Silva. Passados um ano e meio desse governo, Zé se viu entre os “caras pintadas” que bradavam por impeachment como se fossem eles mesmos os donos da ideia de tirar do posto um presidente eleito por eles mesmos. “Importar carros da Rússia” ou “Confiscar a poupança” eram articulações comunistas demais para o Zé. E ninguém percebeu a suposta vocação de Fernando Collor. Menos ainda se lembrou que o próprio Jornal Nacional da TV Globo estava entre esses que “não perceberam” tal afronto e ainda fora o ajudar a se eleger. Tempos inocentes aqueles!

Depois foi a vez de Zé ajudar a eleger FHC. E Zé Mané não se importou nenhum pouco com as privatizações das empresas públicas. “Empresa estatal é coisa de comunista”, pensava ele para encorajar seu apoio. Já casado e com filhos, vivendo de aluguel, Zé achava que era normal o fato de se pagar por tudo. Pagar para morar, para estudar, para ter tratamento médico. O governo só tinha que arcar com o emprego, o resto se corria atrás!

Zé não questionava: “se o barato do Capitalismo é a propriedade privada, por que pago aluguel e não tenho meu próprio negócio”, “por que a maior parte da população paga aluguel, os imóveis estão nas mãos de poucos e alugar bens e imóveis é segmento de mercado no mundo capitalista, que dá boa vida pra gente que vive de alugar algo, sem empregar ninguém, e não faz outra coisa”.

Zé não admitia pra si que era pra todo mundo ser dono do próprio nariz. Ou do contrário o sistema de propriedade pessoal da, já na ocasião, antiga União Soviética era muito mais interessante. As pessoas moravam no que era delas, sem pagar aluguel pra ninguém, e ainda tinham participação nos bens coletivos, como as cooperativas. Tinham muito mais títulos, às vezes até sem ter emprego. É claro que no sistema de ensino brasileiro do tempo em que Zé cursava o Segundo Grau ele só ia saber disso informalmente. A verdade oficial continuava a ser patrocinada por capitalistas e o que vinha à tona sobre o assunto depreciava essa informação. Mandavam dizer que até as crianças eram propriedades do Estado em um regime comunista.

Mas, foi com Lula que Zé conseguiu comprar a sua casa. Não, Zé não votou no Lula. E nem foi um apê financiado pelo programa “Minha casa, minha vida” o que ele adquiriu. Zé teve como comprar um imóvel e ainda construir enquanto pagava as prestações do mesmo. Foram longos quatro anos pagando, construindo, mobiliando. Era o orgulho de Zé seu único patrimônio que a vida de trabalhador lhe deu. Que por ironia ocorreu fora dos governos conservadores ultra direitistas que ele sempre deu razão.

Zé assistia demasiadamente a TV Globo, lia a Veja e a Folha, ouvia a Jovem Pan. Era presa fácil para os manipuladores de opinião por trás desses veículos. Por isso Zé era sempre levado a cometer erros. Contra a nação, contra o povo e contra a si mesmo. Quando a grande mídia foi convocada para ajudar os conspiradores do sistema tirar a presidenta Dilma Rousseff do posto, não deu outra: Zé deu seu apoio.

Por que razão ele queria tirar a Dilma da presidência ele não sabia. Afinal, com o PT ele subira um pouco de vida. Ele sabia que aqueles a quem ele dava atenção tinham esse interesse. E se esse interesse partia deles, então, eles deviam estar certos. Alguma coisa de ruim que Zé não enxergava o PT devia estar fazendo, senão eles não estariam com essa intenção. E, a conta-gotas, Zé se encheu de motivos e de ódio dado pela mídia hegemônica. E quando foi dada a ordem para ele bater panela e gritar “Fora Dilma” ele não desapontou seus senhores.

E, então, o golpe parlamentar foi dado e Zé se sentiu aliviado. Michel Temer assumiu o posto que era legítimo de Dilma e começou a dar as cartas com a propaganda de voltar às boas a economia e a vida social no Brasil. Dentre poses de estadista-mor de uma nação, dirigidas para a maçonaria, e demonstração de vontade de se vingar do trabalhador, talvez porque este cresceu nos tempos petistas e começou a incomodar as classes elitistas por estar apto a fazer parte delas, Temer se tornava um grande candidato a ditador.

A crise que prometiam que findaria com ele assumindo agravou e Zé perdeu seu emprego. Estava ele cheio de dívidas, pois, os governos petistas inspiravam se poder endividar sem medo. Por razões egocêntricas, Zé continuou sem votar no partido, mas agradecia a quem fazia isso em seu lugar.

Junto com as outras dívidas, os impostos e outras despesas da propriedade de Zé acumulavam. Chegou ao ponto do homem se vir tendo que vendê-la como alternativa para sair do vermelho capitalista. Seria uma tentativa de quitar todos os débitos e de sobreviver com o restante. Pagaria aluguel e começaria de novo. Ele, a mulher e os filhos. Recebia cartas e cartas, vindas do Governo, mencionando confisco. Precisava fazer alguma coisa ou perderia tudo sem lhe restar sequer dinheiro para tentar se reerguer.

Com o ditador maçom orquestrando a crise em vez de combatê-la com medidas práticas, e se afundando em trapalhadas e queima de imagem de ministros e outros aliados, Zé até se lembrou de uma história que ouvira, que seria prática corriqueira dentro do alto escalão da maçonaria. A irmandade selecionaria membros, os ajudaria a enriquecer com empréstimos que fazem da própria, e eles se tornariam reféns dela para manter o padrão de vida atingido. Em qualquer causa de interesse da fraternidade, há a convocação dos irmãos para apoiá-la. E nem sempre a convocação interessa a esse ou aquele membro. Mas, é melhor obedecer, pois, a vingança pode vir à cavalo. E há uma dívida ditando a fidelidade. Se um ou outro não forem saldados, o confisco do patrimônio é certo. O Barão de Mauá que o diga quando se viu perder tudo para os Rothchild.

E as convocações a que Zé atendeu nesses anos todos de militância direitista cega é que o levou à situação em que se metera. Confiou em quem não devia. Estavam o enganando e ele não podia perceber. Se submetera demais aos veículos de comunicação da Grande Mídia e só obtinha informação espúria. O que deixa Zé bastante indignado é o fato de ele ser confiscado em um bem que sequer foi dado pelo Governo que o cobra. Que, via de fatos, nunca lhe deu qualquer coisa.