Amor evitado nas novelas

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Voltava eu do trabalho em companhia de uma loirinha, cabelo curto bem reluzente, olhos azuis. Corpuda. Mais baixa pouca coisa a mais do que eu. Vestia calça jeans e blusa branca de botão. Abraçava a bolsa tiracolo. Me vi na companhia dela desde as escadas da Galeria Ouvidor, rumando para a rua São Paulo. Havíamos entrado na galeria para ela comprar alguma coisa. Quando atravessamos a porta da galeria para atravessar a São Paulo rumo à Praça 7, ela viu de longe, na calçada da Avenida Amazonas, uma morena de vestido azul e cabelos longos soltos. Acenou para ela a cumprimentando à distância. Daí ela me disse que aquela era uma amiga dela. E fez a ela um enaltecimento exibindo um semblante de satisfação em tê-la visto, como se isso a tivesse submetido a lembranças efêmeras.

Eu deduzi então que fossem ou tivessem sido elas companheiras um dia. Ela respondeu assim: “Como dizem na novela: a gente era feliz sem importar se a gente é homem ou se a gente é mulher”. E em seguida quis saber minha opinião a respeito.

Eu disse pra ela que precisaríamos sentar para eu dar a minha opinião completa. Ela entendeu o convite. Tinha tempo, então, paramos num dos bares no final da Av. Amazonas. Seguíamos em direção à estação central do metrô.

Eu estava sentindo uma atração por ela havia um tempo. Então, larguei da morosidade de sempre e fui logo viabilizando a cantada. Eu sabia que a situação era um pouco ruim por causa do relato dela, mas eu não tinha dúvida de que ela jogasse nos dois times.

Eu disse para ela que eu achava que as pessoas deviam chegar à conclusão de que é ou está sendo feliz por elas próprias. Sem depender do que ensina a dizer ou a pensar, por exemplo, uma novela. Nem sempre, a gente determinar que está sendo feliz tem a ver com gênero sexual. Se você está se sentindo bem em um maravilhoso carro que você conseguiu comprar, no que essa felicidade ou esse momento feliz depende de você ser homem ou mulher?

Disparando o que se passava em minha mente eu fui mais longe.

Veja, eu sinto uma atração enorme por você. E eu sinto isso quando olho para esses seus olhos azuis e esse seu jeito simples de ser, de me aceitar como um amigo. Tanto seus olhos, quanto esse seu jeito, poderiam pertencer a um homem. Portanto, para eu sentir essa atração por você independe de você ser uma mulher e eu um homem.

E você me deu essa oportunidade de sentar a só com você para discutirmos um assunto que facilita eu dizer isso. Você é pelo menos trinta anos mais nova do que eu. No entanto, pode ceder ao meu assédio e isso não fará a menor diferença para você. Ambos estaremos pensando no que estamos vivendo, se está sendo bom.

Se eu fosse me orientar pelo que diz a novela, eu nem arriscaria a dizer o que estou dizendo, pois, a novela ensina, como padrão, que os amantes devem regular na idade, na cor, na religião, na cultura, na condição financeira. Só dizem coisas diferente disso, só incentivam relações mais díspares ante a esses preconceitos, se algum patrocinador estiver com a intenção de patrocinar determinado tipo de casal e investiu na novela para fazer a engenharia social de aceitação.

Da mesma forma fazem com a sexualidade. E por não haver naturalidade no comportamento das pessoas que se submetem à telenovela e copiam o que veem nela, acabam por experimentar infelicidade, pois, haverá um tempo em que o transe passará. Principalmente quando outra novela aparecer, outro assunto passar a ser discutido e o anterior deixado de lado, se não houver quem se interesse que seja mantido em evidência.

A loirinha se embriagou com o mix de emoção que ela experimentou. Surpresa, admiração, porre de conscientização, vaidade por receber elogios, tesão. E eu não quis perder tempo e nem correr o risco de deixar escapar um flerte por falta de ação. Nada de deixar nenhum dos ânimos esfriar. Era visível que era ela naquele momento uma presa fácil. Toquei-lhe, com carinho, o braço direito na altura do ombro. Ao certificar que ela não fez objeção, trouxe ela pra mim. Foi assim que começou esse namoro do tipo que excluem nas novelas: amor sincero.

Adaptado de um capítulo do livro “Contos de Verão: A casa da fantasia“, que expõe alternativas de desenvolvimento de relacionamentos.

Pecando em alto estilo

Pela greta da porta, Vera Cristina olhava sua irmã se deliciar do sexo. Sua mão livre fazia que ia e desistia de ir acariciar seu clitóris. A região estava inundada. De uma inundação que junto com a sensação que ela experimentava em silêncio forçado ela jamais tomou conhecimento de que podia existir.

O espetáculo que ela assistia estava no auge. Até ali, Lindaura atingira o orgasmo duas vezes. Ela estava sensível demais e provou logo um duplo. Os movimentos do parceiro permitiu a façanha, que com o marido jamais ocorrera. Lindaura não economizava no volume de seus gemidos. Isso possibilitou Vera vez ou outra soltar alguns suspiros que se não abafado o som poderia revelar sua localização.

A calmaria sônica comum do início da madrugada naquele lugar foi interrompida por um ruído peculiar das moradoras da casa ouvirem geralmente às nove da manhã dos sábados. Era inusitado demais para ser o que se passou pela cabeça de Lindy. Por isso ela continuou a cavalgar com a calcinha descida, presa na canela de uma das pernas, e a saia levantada, no colo do homem que ela elegeu amante naquela noite. Os olhos fechados e os lábios ajudando na respiração é o que ele via dela enquanto a segurava pelas ancas. A calça jeans que ele usava, aberta na região do zíper, a conta de expor estrategicamente o pênis, oferecia-lhe desconforto.

A plateia de um integrante apenas acomodada atrás da porta do corredor não se deixou levar pela euforia do acontecimento e reconheceu o desligar do motor do Volks 8150. Notou também o bater apavorado da porta do motorista, a fala rasteira reclamando de terem deixado a televisão da sala ligada, a batida enferrujada do portão social  e os passos nada educados a pisotear os degraus da escada externa e a aproximar da porta da sala.

Num átimo, Vera Lúcia deixou seu esconderijo e invadiu a sala para socorrer a irmã. Àquela altura a própria já identificava a solidez do inesperado. Benício provavelmente estava bêbado. Alguma coisa de podre acontecera para ele voltar antes do trivial. Principalmente por ser uma madrugada.

Lindaura desertou-se do posto. A irmã a substituiu no colo do rapaz, que já estava razoavelmente recomposto e vestido. A boca dele foi procurada por Vera. Ele entendeu o que ela tinha em mente. Lindaura correu o quanto pôde corredor a dentro em busca de seu quarto. O barulho de chuveiro elétrico sobrepôs o dos dois aparelhos televisores que estavam ligados.

A redenção pela greta da porta

Fim da linha para o casal em pressa. Lindy apagou os faróis do carro e seguiu com eles apagados, pelo pequeno quarteirão que ela conhecia de olhos fechados. Confirmou se o Volks 8150 branco com um baú cinza acoplado estava parado na porta, como de praxe: de maneira a atrapalhar a passagem para a garagem de sua casa e a incomodar durante o dia os transeuntes que precisavam trafegar pela rua de calçadas desuniformes. Seria um sinal que lhe estragaria os planos. Ao que lhe pareceu seria uma virada típica de sexta-feira para sábado.

As portas do Celta foram abertas devagar. Ambos saíram juntos. Ele fechou a porta do lado do passageiro sem fazer qualquer barulho. Ela deixou a do motorista aberta. O motor estava ligado em marcha lenta e as chaves na ignição. Olhou, Lindy, para cima e notou a irmã segurando a renda da cortina da janela da sala, que ficava de frente para a rua em um andar superior, para observar discretamente quem vinha. O suave bombardeio do motor em estado de marcha lenta foi o que a fez buscar a janela. Olhando para cima, a claridade fosca denunciava que ela via televisão. O restante da casa estava com as luzes apagadas. Mesmo a do alpendre.

Lindaura abriu o portão de bandeira da garagem e solicitou ao amante que ele guiasse o carro para dentro dela. Ele deu a volta pela frente do veículo, entrou nele e fez o que foi lhe ordenado. Obviamente o farol teve que ser ligado. Este revelou no interior do cômodo de paredes apenas rebocadas uma escada que conduzia à porta de entrada da sala no andar de cima.

Mal o carro chegou ao ponto que precisava atingir para que o portão pudesse ser fechado e a dona da casa já puxou o próprio para dentro, enfiou-lhe a chave na fechadura interna e o trancou. O próximo passo foi se lançar nos braços do homem que a acompanhava. Parecia que o coito aconteceria ali mesmo. Mas, foram apenas carícias mais picantes. A moça estava decidida a levar o parceiro para o interior de sua residência.

A porta da sala já se encontrava destrancada. Quando foi aberta, Lindaura viu a irmã sentada no sofá grande. A TV, ligada no Cine Record Especial, era a companhia de Vera. A protestante olhou para os dois com o semblante de quem desaprovava o que ela premonizava e que já sabia se tratar de um ato de vingança contra o cunhado estúpido e infiel com quem Lindaura tivera o infortúnio de ter se desposado.

Aos trancos e barrancos, Vera foi apresentada a Júlio. Mal disseram qualquer coisa e Lindy conduziu, segurando-lhe o braço direito, a irmã até o corredor que levava aos quartos da casa. Vera já sabia qual seria o seu papel. E não muito conformada foi parar em seu aposento, onde havia também um aparelho televisor, o qual ela ligou para continuar a ver o filme que assistia.

Na sala, a anfitriã acomodou seu amante no sofá. Subiu em seus quadris como uma amazona e de frente pra ele, enlaçados pelos braços, trocaram beijos atrevidos e ficaram à espera de que o tesão os enlouquecesse e aquecesse estonteantemente a transa.

À medida que gemidos e barulho de raspões de corpos no estofado de chenille cinza denunciavam o clima que jazia na sala, a curiosidade da irmã se despertava. Com alguns passos pé-ante-pé ela poderia se aproximar do palco das atrações e discreta como estava à janela quando o casal deu as caras ela poderia abrir à meia-visão a porta que obstaculava a passagem e com isso saciar sua vontade de mulher casta, virgem aos 27 anos, de obter pelo menos platonicamente uma transa. A sorte com homens, que sobrava à irmã, lhe faltava por causa das escolhas que fez ao longo da sua trajetória vital, devido à baixa permissividade ao pudor que lhe fora imposta pelos pregadores das congregações religiosas que fizera parte.

Tão possante quanto os ataques dos guerreiros do filme de ação que ela assistia foi o impulso que Vera sofreu para dar um basta ao moralismo que só a estava atrasando a vida e a causando opressão e sofrimento em nome de uma ética criada por mortais enganadores se passando por emissários de Deus para só ela manter. E pé-ante-pé a branquela de corpo esbelto e cabelos amarelos desgrenhados partiu para dar asa à sua imaginação. E, se não podia – ainda – ter a sorte da irmã, pelo menos se degustaria ao vê-la em ação. Se lhe ocorresse a tentação de desfrutar do que ela acreditava ser pecado, o automassageamento genital visando o orgasmo, ela, sem delongas, procurando o máximo de discrição, se renderia a ela e com isso, quem sabe, iniciaria sua libertação sexual e mental.

Minha adorável vida de hétero

O Celta cinza prata fazia cem por hora sempre que havia oportunidade. Para trás ficava a paisagem vista como mera sinalização do caminho. O destino, o velho Júlio não sabia por que cargas d’água estava no rumo que tomavam. Passaram por vários motéis. “Tá certo que a maioria é bem abaixo da crítica, mas, havia uns dois de luxo“, sobrava para ele se perguntar sentado no lado do carona enquanto a morena estonteante guiava o volante e revezava afobada seu pé direito entre o acelerador e o freio, deixando o rapaz a notar o que das coxas da amiga de faculdade conseguia escapar pela aba da saia branca que ela usava. Quando o semáforo obrigava a parada, as bocas se encontravam, sob olhar de soslaio da moça para garantir a segurança de não estarem a serem vistos, e beijos lacônicos amenizavam a inconsciente pressa.

Onde, ele tinha um palpite. O que ela tinha em mente, ele não tinha dúvidas. Era para ser apenas uma carona até parte do caminho rotineiro que a jovem recém balzaquiana fazia toda noite para ir para casa. Ele deixaria de ser companhia para ela cerca de vinte quarteirões antes de ela pegar a Padre Pedro Pinto, sentido Ribeirão das Neves, localidade que estava bem além do ponto onde a própria pararia seu carro e o guardaria na sua garagem.

A dúvida de que era sexo com ele o que ela queria ele desfez logo que ela fez questão de não falar sobre aulas. “noite de sexta-feira a gente tem que pensar é em outra coisa“. Somando-se à fungada maliciosa em seu pescoço logo que ele aceitou a carona. Fungada que lhe custou o restinho do cheiro do Ladro borrifado às quatro e meia da tarde, antes de ir para escola. O qual formava o pelotão de frente para defender a pele do moço contra o cheiro forte do suor peculiar do stress de ter que suportar quatro horas a estudar. A certeza de que era iminente a primeira transa com uma colega de sala daquela faculdade de administração, que ele iniciara só para ocupar seu tempo, lhe vinha como certo é também que mamão com açúcar tem gosto adocicado.

Pelo parabrisa as luzes confusas dos carros da contra-mão junto às buzinadas desnecessárias que os vândalos do trânsito insistem em oferecer aos ouvidos presentes como forma de obter atenção fazia aumentar profundamente a impaciência. Na altura de uma agência da Caixa Federal, naquele ponto de aspecto pobre da Grande Belo Horizonte, o velho Júlio teve que confirmar com a motorista misteriosa o local para onde seguiam. Lindy era uma mulher casada e morava para aquelas bandas. Ele só sabia isso.

Meu marido é caminhoneiro e volta para casa sempre no sábado pela manhã“. “Relaxa! Não vamos passar a noite toda lá em casa“. Era para a casa dela mesmo para onde iam. Como ele desconfiava. E a irmã? Ela lhe falava dentro da sala de aula que havia uma irmã que mora com ela e o marido. Pensamentos mais picantes penetravam na cabeça do homem de meia-idade que se mantinha em silêncio a maior parte do tempo.

Uma virada à direita e a avenida foi deixada. O caminho tornou-se mais estreito e ainda mais paupérrima a aparência do ambiente. Adentraram-se em um bairro com algumas casas boas revezando com barracos e sobrados cheios de puxadinhos. Ruas pavimentadas e outras de chão puro. Um córrego à céu aberto despontou. O carro o contornou até certo ponto. A iluminação viária desceu. Postes com lâmpadas acesas intercalavam outros com elas quebradas. O medo que Júlio sentia tentando não deixar transparecer misturava-se com a excitação causada pelo sombrio panorama voltado para a expectativa de infortúnios típicos de periferia. Superava a inevitável aflição de ser flagrado pelo conjugue legítimo de Lindy. Porém, estranhamente não burlava esses contrapontos a vontade de ultrapassar os momentos preliminares à diversão que estavam à espera de degustar.

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